quinta-feira, 12 de julho de 2012

PAOLA E OS CIGANOS - histórias de Paola


Na clareira em meio à mata, Paola poderia ver de sua janela uma pequena fumaça, e parecia contínua.
Permaneceu olhando pela janela por alguns minutos, enquanto a chaleira de chá começava a chiar.
Poderiam ser caçadores, pois estava em pleno outono, e os coelhos estavam saindo das tocas.
As cortinas cor escarlate balançavam ao vento, trazendo para a cozinha que ficava do lado norte da sua grande casa com mais de nove janelas, o cheiro de fumaça, lá da clareira.
Intrigada decidiu, depois do chá, dar um passeio para ver, e se possível sem ser vista, pois caçadores também poderiam ser arredios à vizinhança, pois a caça ainda não era permitida naquela região, mas os guardas pouco passavam por aquelas redondezas.
O chá ainda estava quente, portanto, não poderia ter pressa. Acomodou-se na cadeira antiga, e pensava se seria conveniente ir pela estrada, ou espreitar pela mata.
Três da tarde.
Estaria pronta em dois minutos, enquanto amarrava seus cabelos longos, cor de mel.
Um mocassim do tipo indígena poderia ajudar na empreitada silenciosa.
Ir pela mata parecia ser mais tático, e assim foi, desceu as escadas da frente e entornou a estrada, passando pelas imensas árvores, que parecia escurecer um pouco a floresta densa.
A caminhada foi silenciosa, esgueirando-se por entre as árvores, que ficavam ao lado direito da estrada de chão batido, sem levantar suspeitas. Ainda poderia observar a fumaça na clareira que ficava uns 500 metros a sua frente.

Ao chegar mais perto observou uma cantoria desconhecida, o que descartava a hipótese de caçadores, pois eles eram silenciosos.
Aproximou-se abaixada como uma onça, silenciosa e rápida, e ao chegar o suficiente perto, notou tratar-se de ciganos.
Eles estavam em volta a uma pequena fogueira, e curiosamente havia uma cigana no meio, como se conversasse com todos, e todos pareciam lhe dar total atenção.
A cigana no meio era jovem e linda, e com seus lenços e vestidos pareciam brilhar no sol de outono.
Paola sentiu uma mão em seu ombro, e sua astúcia de não ser vista parecia não ter sido bem sucedida.
-Venha comigo.
O cigano parecia ser amigável, com um sorriso pegou-a pela mão e levanto-a seguindo em direção ao bando, desceram um pequeno gramado e já sendo vistos pelos demais, pararam de falar entre si.
Paola não hesitou, foi chegando mais perto com receio sim, mas não sairia correndo agora.
-Olhem o que encontrei!
O cigano a levou até a jovem que estava em meio ao círculo, parecendo ser ela uma espécie de líder, a qual olhava para Paola atentamente.
-Seja bem vinda, meu nome é Sara.

A jovem era muito bonita e simpática e estendeu a mão, cheia de anéis e pulseiras.
-Não quis atrapalhar ou ser intrusa, disse Paola, tentando ser amigável.
-Somos ciganos Maltas, não tenha medo, estávamos te esperando.
A surpresa de Paola foi grande, ao notar estar sendo esperada, ficando então cheia de dúvidas, e agora sim, lhe apertava o coração com uma espécie de medo.
E Sara falou:
- A fumaça chegou até você como um convite, sabíamos que viria até aqui, viemos pela manhã, passamos perto de sua casa, e sabíamos quem era você, Paola, a neta de Soraya.
-Sim, sou a neta de Soraya, mas porque então estão aqui à minha espera.
Paola entendeu que ao falar segura e com tranqüilidade também acalmava seu nervosismo, ficando mais à vontade.
Os demais ciganos estavam observando e um deles, o mais alto disse:
-Muito bem sara, já podemos ir embora, pois já fizemos nosso trabalho de trazer Paola.
-Sim, agora o serviço está feito, me esperem perto da cidade, estarei lá em dois dias, nas pedras, próximo à cascata.

Sara pegou-a pela mão e com gesto de convidá-la a sentar, enquanto os demais ciganos que eram 4, mais o que a trouxe, começaram a juntar seus pertences, pequenas bolsas e cobertores, e com um gesto de reverência à Sara, beijaram sua mão um a um, e esperaram até o último para então caminharem em direção à floresta, enquanto Sara estendia a mão, com uma sutileza de rainha.
Ficaram então as duas, sentadas em torno da pequena fogueira, e num momento Sara botou a mão dentro de uma pequena bolsa e tirou uma espécie de pó e jogou na fogueira, fazendo aumentar um pouco mais.
Paola estava surpresa com o acontecido, pois estava frente a uma situação que não estava em seu controle, e Sara, muito bonita e simpática a fitava profundamente quando falou:
-Paola, você é neta de Soraya, eu a conheci um tempo atrás e ela me ensinou várias coisas, mas uma ainda não entendi.
Paola disse:
-Impossível, minha avó morreu há muito tempo atrás, e você é tão jovem, não poderia tê-la conhecido.
-Paola, tem coisas que o tempo aqui, não importa.
Nisso a fogueira estourou, saltando pequenas faíscas, o que tirou a atenção de Paola, voltando sua atenção para as faíscas coloridas, e ao retornar o olhar para Sara, viu sentada em sua frente, uma anciã, que parecia ter no mínimo uns 90 anos, Paola tentou se afastar com o susto, mas a velha pegava sua mão, bem firme, e continuou:
-Paola, eu tenho várias luas, te vi nascer, te vi crescer, e quando no velório de sua avó, eu estava lá, pousada em cima de uma cruz, perto do túmulo de sua avó, eu era aquele corvo preto azulado, você me viu, eu tirei sua atenção naquele momento, lembra?
-Sim, eu me lembro do pássaro, inquieto que não saía de perto de nós todos.
-Pois bem, sua avó me ensinou várias coisas, e para um aprendizado completo, ela iria me dar algo que sei que ficou com você, portanto pegue isso.
Sara, a velha estendeu em sua outra mão, a que não segurava Paola e entregou uma pequena pena preta, e fez questão que Paola a pegasse.

Paola estava assustada com tudo aquilo, sentiu que não poderia sair agora e, pensando bem, a curiosidade era tão grande que queria mesmo ir até o fim, fitou a pena, e quando olhou para a velha, ela era de novo Sara, a linda jovem que ficou de pé frente a Paola, que não hesitou e pegou a pena preta, e sentiu-se leve, e as árvores foram ficando para baixo, sentiu-se como voar, e sentiu a mão quente de Sara que a segurava, estavam enfim como se voando pela floresta.
Paola sentiu-se pequena com o vento em suas narinas, que notou ser um bico, de um pássaro e viu do seu lado um outro, um pássaro preto, era um corvo.Elas eram corvos e sobrevoaram a floresta num vôo de prazer imensurável.
Paola não teve medo da queda, pois se sentia segura com o pássaro ao seu lado, tentou falar ou gritar, mas não conseguia.

O vôo estava mais raso, viu surgindo então sua casa, e tonteou, não viu mais nada, apenas uma sensação de enjôo.
-Paola, acorde.
Ao voltar a si, estavam sentadas na sua cozinha, em sua frente a bela jovem, era Sara, com um sorriso lindo, e rindo de Paola.
- Ah ah ah, você estava tão assustada, que não me contive.
Paola tentava entender o que teria acontecido, e também perdera a noção do tempo.
-Há quanto tempo estamos aqui?
-O tempo não importa, na verdade ainda estamos na floresta, apenas parte de nós está aqui.
-Mas como se explica tudo isso?
-Paola, as coisas são únicas, estar ou ir, o tempo é a nossa mente, querer ir é meio caminho andado, a lua está em todo o lugar, mas ela não vai, nós é que a vemos. Tem coisas que você aprenderá com o tempo. Mas minha visita é pelo fato de que vim buscar algo que sua avó me deu, e não pude pegar, pois estava ocupada em salvá-la de Cronos, um outro cigano que queria fazer mal a sua avó, e quando voltei, sua avó tinha falecido. O que vim buscar é um pingente vermelho, e ele está aqui na minha mão, quando chegamos você procurou em suas coisas e me deu.

Abrindo a mão, Sara mostrou um pingente vermelho que Paola sabia ser de sua avó, mas não lembra tê-lo procurado e entregue à Sara.
-Esse pingente era meu, de minha proteção, e emprestei à Soraya, sua avó para protegê-la de uma tempestade, fiquei de pegá-lo em outra oportunidade, mas não a encontrei mais, depois soube que havia falecido, e sua avó, depois de ter partido me disse em um sonho que estava com você.
Paola estava aterrorizada com tudo aquilo, haviam várias perguntas a serem feitas, mas nem sabia por onde começar.

Quando pensou em questionar como tudo aquilo acontecia, ouviu a chaleira de chá começar a apitar, voltou o olhar para o fogão, amedrontada, pois não tinha botado nada para ferver, quando sara disse:
-Pois bem Paola, você acaba de me dar mais de uma centena de anos para viver e quem sabe protegê-la, assim como sua avó me pediu, desligue o fogão para o seu chá.
Paola foi até o fogão com as pernas trêmulas e desligou o fogão, e olhou para Sara que estava com um sorriso lindo no rosto.
Retornou à mesa, e serviu o chá para Sara que a fitava com um semblante de amor puro, inexplicável, que disse:
-Paola, eu sou parte de sua avó, sou o lado puro, o lado dela que a amava muito e que continua te amando, mas agora o ciclo do pingente está completo, ele retornou para mim, isso significa a sua felicidade e a minha.
Paola sentiu um vento forte nas cortinas escarlates, e por um segundo, Sara não estava ali na frente da xícara de chá, apenas um corvo que saltitava sobre a mesa, tomando direção da janela, e parou no parapeito da mesma, e ainda fitou Paola por alguns segundo, e tomou vôo, sumindo entre as árvores.
Paola foi até a janela e viu o corvo tomar rumo ao infinito, num vôo certeiro para não ser visto mais entre as árvores.

Sentou-se e tomou o chá novamente, para quem sabe se acalmar e tentar entender o que havia ocorrido naquela tarde, enquanto o vento balançava as cortinas escarlates, como que num vôo sutil, trazendo o aroma de flores, que mostrava o pôr do sol por entre as árvores enormes da floresta.






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